Dossiê da Minha Sensibilidade
Relato autobiográfico fundamentado na Psicologia da Sensibilidade
Autor: Professor Jozenei Silva Pereira
Escola de Contabilidade PJP – Alagoinhas – Bahia – Brasil
1ª edição – 2025
É permitida a reprodução parcial deste material para fins acadêmicos e não comerciais, desde que citada a fonte. É vedada a modificação do conteúdo sem autorização formal do autor.
Este dossiê não substitui avaliação psicológica, acompanhamento profissional ou diagnóstico em saúde mental. As reflexões aqui apresentadas resultam da integração entre vivências pessoais do autor e referenciais científicos da Psicologia da Sensibilidade.
Dedico este dossiê a todos que, de alguma forma, participaram da construção da minha história – pela presença, pela ausência, pelo cuidado, pelos desafios ou pela confiança. À minha família, que me ofereceu as primeiras referências afetivas; aos meus filhos, que renovam diariamente o sentido da responsabilidade e do afeto; aos meus irmãos, que me fizeram compreender o valor do cuidado compartilhado; e aos meus alunos, que me lembram constantemente da importância de transformar conhecimento em humanidade.
Dedico também a todas as pessoas sensíveis que, em algum momento, se sentiram “fora do padrão” por perceberem, sentirem e pensarem de forma mais profunda. Este livro é um convite a olhar para essa sensibilidade não como defeito, mas como possibilidade.
Falar de sensibilidade em um mundo acelerado, competitivo e orientado por resultados é quase um ato de resistência. Durante muito tempo, pessoas que sentiam demais foram rotuladas como exageradas, dramáticas ou frágeis. A Psicologia da Sensibilidade propõe um olhar diferente: existe um grupo de pessoas cujo sistema nervoso processa informações e experiências com mais profundidade e intensidade.
Este dossiê nasce desse deslocamento de perspectiva. Em vez de interpretar sua história apenas como uma sequência de dificuldades e superações, o autor a revisita à luz da ciência, integrando memórias pessoais, conceitos teóricos e reflexões sobre o modo como a sociedade lida com quem sente o mundo de forma ampliada.
O texto que o leitor tem em mãos é, ao mesmo tempo, autobiográfico e analítico. Os episódios de infância, adolescência e vida adulta não aparecem aqui como relatos soltos, mas como material vivo para compreender o traço da alta sensibilidade. Cada lembrança é tratada como dado, como evidência, como possibilidade de leitura psicológica.
Este livro interessa a quem se reconhece como pessoa sensível, a quem convive com pessoas assim, a estudantes e profissionais que desejam aproximar teoria e experiência. É, sobretudo, um convite a transformar a sensibilidade em consciência, cuidado e compromisso.
Quando conheci o conceito de Pessoa Altamente Sensível (PAS), senti como se alguém tivesse colocado em palavras aquilo que me acompanhava desde a infância. A facilidade em perceber detalhes, a tendência a refletir profundamente antes de agir, o incômodo com ambientes muito ruidosos, o impacto duradouro de experiências emocionais e a dificuldade em ser indiferente à dor alheia – tudo isso passou a fazer sentido em um novo enquadramento.
Este dossiê é resultado de um movimento de investigação de si mesmo fundamentado em ciência. A pergunta que o orienta é simples e, ao mesmo tempo, profunda: o que a Psicologia da Sensibilidade pode explicar sobre a minha trajetória de vida?
Para responder a essa pergunta, organizo o livro em três eixos principais: (1) reconstrução de experiências marcantes da minha história; (2) descrição das características da minha sensibilidade; (3) articulação dessas vivências com conceitos teóricos e evidências científicas.
Mais do que dizer “eu sou sensível”, este dossiê propõe compreender como essa sensibilidade foi construída, onde ela se fortaleceu, quando se tornou fonte de dor e em que momentos se transformou em potência.
A sensibilidade não aparece de forma isolada; ela é construída na interseção entre biologia e contexto. No meu caso, essa construção aconteceu em um cenário familiar intenso, marcado por desafios emocionais, vulnerabilidades materiais e, ao mesmo tempo, por presenças cuidadoras consistentes.
Nasci em uma família numerosa, em um ambiente em que a casa da frente e a casa do fundo representavam universos emocionais diferentes. Na casa da frente estavam meus pais e irmãos, em meio a conflitos conjugais, episódios de agressão, sobrecarga e sofrimento. Na casa do fundo, com minha avó paterna, encontrei organização, rotina, cuidado e afeto estável. Foi ali que cresci e permaneci por cerca de 27 anos.
A literatura sobre desenvolvimento humano e teoria do apego mostra que, em contextos de alta intensidade emocional, crianças com maior sensibilidade tendem a desenvolver estratégias de observação, vigilância e antecipação. Desde cedo, aprendi a ler expressões faciais, tons de voz e mudanças mínimas no ambiente para prever o que poderia acontecer e buscar proteção onde ela estivesse disponível.
Ao mesmo tempo em que convivia com o peso de perdas, doenças e dificuldades materiais, experimentei a força de uma presença cuidadora estável. Minha avó paterna foi, para mim, esse “porto seguro” descrito pela teoria do apego. Essa combinação de adversidade e suporte é um terreno fértil para que a sensibilidade se torne tanto um fator de risco quanto um fator de proteção.
Observar a sensibilidade ao longo da linha do tempo ajuda a perceber que ela se expressa de formas diferentes em cada fase da vida. Embora o traço seja relativamente estável, sua manifestação depende das exigências e possibilidades de cada período.
Na infância, minha sensibilidade se expressou como capacidade de observação. Em um ambiente de tensões, conflitos e inseguranças, estar atento era um modo de se proteger. Muitas crianças sensíveis desenvolvem essa habilidade – não por escolha, mas por necessidade.
A adolescência trouxe o trabalho precoce, o estudo e a participação em atividades comunitárias e religiosas. A sensibilidade, nessa fase, se traduziu em senso de responsabilidade: trabalhar para ajudar a família, estudar para transformar a realidade, comprometer-se com aquilo que assumia.
Na vida adulta, a sensibilidade ganhou forma em minhas escolhas profissionais. A docência, o serviço público e a atuação em contabilidade governamental tornaram-se espaços em que a percepção ampliada de pessoas, processos e contextos foi colocada a serviço de algo maior do que minha própria história.
Pesquisas sobre Pessoas Altamente Sensíveis apontam que esse traço abrange diferentes dimensões. Na minha trajetória, percebo quatro grandes eixos: a dimensão emocional, a cognitiva, a relacional e a ética.
Emoções sempre tiveram impacto profundo em mim – tanto as minhas quanto as das pessoas ao redor. Situações de injustiça, desamparo ou sofrimento mobilizam, geram empatia intensa e um desejo imediato de aliviar a dor do outro. Essa sensibilidade emocional é uma das marcas mais evidentes do meu funcionamento.
Meu modo de pensar é reflexivo, analítico e orientado para consequências. Antes de tomar decisões, costumo ponderar diferentes cenários, avaliar impactos e considerar implicações éticas. A literatura descreve esse padrão como “processamento profundo” – um dos pilares da alta sensibilidade.
As relações, para mim, nunca foram superficiais. Quando me envolvo, me envolvo por inteiro. Lealdade, reciprocidade e cuidado são princípios centrais. Ao mesmo tempo, essa intensidade pode gerar sobrecarga, especialmente quando há dificuldade em estabelecer limites claros e em dizer “não”.
A sensibilidade também se manifesta como senso ético ampliado. Na atuação profissional, especialmente no serviço público e na docência, procuro alinhar competência técnica com responsabilidade social. Essa dimensão ética da sensibilidade orienta escolhas, posicionamentos e prioridades.
O traço conhecido como Sensory Processing Sensitivity (SPS) descreve uma forma específica de funcionamento do sistema nervoso, caracterizada por maior profundidade de processamento das informações, forte reatividade emocional e percepção refinada de sutilezas. A pesquisadora Elaine Aron é um dos principais nomes associados a esse campo.
Não se trata de uma doença, transtorno ou diagnóstico, mas de um traço de personalidade presente em parte da população. Pessoas com SPS tendem a:
Estudos de neuroimagem mostram que cérebros altamente sensíveis apresentam maior ativação em regiões associadas à empatia, à integração de estímulos e à reflexão. Ou seja, não se trata apenas de “personalidade intensa”, mas de uma forma de funcionamento que tem base neurobiológica.
Outro conceito importante é o de sensibilidade ao contexto. Pesquisas sugerem que pessoas sensíveis reagem mais ao ambiente – tanto ao negativo quanto ao positivo. Em contextos de suporte e acolhimento, podem desenvolver níveis elevados de criatividade, compromisso e contribuição social. Em ambientes adversos, podem adoecer com mais facilidade.
Ao confrontar minha história com os critérios descritos pela Psicologia da Sensibilidade, reconheço uma compatibilidade clara com o traço de alta sensibilidade. A profundidade de reflexão, a intensidade emocional, a atenção a detalhes ambientais e o forte senso de responsabilidade sugerem que meu funcionamento está alinhado ao perfil descrito na literatura.
A combinação entre exposição precoce a estresse e presença de uma figura cuidadora estável é um fator relevante para compreender minha trajetória. Em vez de produzir apenas sofrimento, essa combinação favoreceu a construção de resiliência: a capacidade de enfrentar adversidades e, ainda assim, construir caminhos de crescimento.
Reconhecer-me como pessoa altamente sensível não significa aceitar um rótulo, mas encontrar uma linguagem para aquilo que sempre esteve presente. Nomear o traço permite buscar estratégias de autocuidado mais eficazes, compreender limites que antes eram interpretados como falha pessoal e reconhecer potenciais que, muitas vezes, ficaram escondidos atrás da sensação de “não se encaixar”.
Toda característica humana traz, simultaneamente, possibilidades e riscos. No caso da alta sensibilidade, as mesmas qualidades que permitem empatia, análise aprofundada e senso ético ampliado podem, sem cuidado, se transformar em sobrecarga, exaustão e adoecimento.
Entre as principais potências da minha sensibilidade, destaco:
Entre as vulnerabilidades, reconheço:
Equilibrar potências e vulnerabilidades passa por construir fronteiras saudáveis. Não se trata de abandonar a sensibilidade, mas de protegê-la para que continue sendo fonte de contribuição, e não de adoecimento.
Em pessoas altamente sensíveis, o autocuidado não é luxo, é necessidade. A intensidade com que o mundo é percebido exige uma rotina compatível com esse funcionamento. Ignorar essa necessidade costuma ter custo alto: esgotamento, adoecimento físico e sofrimento emocional.
Ao longo da minha trajetória, algumas estratégias se mostraram particularmente importantes:
Falar sobre a própria experiência em espaços seguros – terapia, supervisão, grupos de estudo – também é uma forma de cuidado. Nomear o que se sente, colocar em palavras o que antes era apenas incômodo ou culpa, permite reorganizar a história interna com mais gentileza e lucidez.
Compreender a própria sensibilidade é também redefinir a forma de se relacionar com o futuro. Ao reconhecer que sinto, percebo e penso o mundo com intensidade, passo a me questionar: que tipo de trabalho faz sentido para alguém com esse perfil? Que relações são sustentáveis? Que causas vale a pena abraçar?
No meu caso, a docência, a pesquisa e a atuação na gestão pública se tornaram caminhos de canalização dessa sensibilidade. A escolha por formar pessoas, fortalecer a transparência na administração e produzir conhecimento não é casual: é resposta direta à maneira como compreendo o mundo e meu papel nele.
Este dossiê é parte desse projeto de vida. Ao tornar pública uma reflexão pessoal fundamentada em referenciais científicos, busco contribuir para que outras pessoas também possam reconhecer, acolher e qualificar suas formas de sentir.
A alta sensibilidade, quando compreendida e bem manejada, se desdobra em um conjunto de competências socioemocionais valiosas. Não se trata apenas de “sentir muito”, mas de desenvolver habilidades específicas na forma de lidar consigo, com o outro e com o mundo.
Pessoas sensíveis costumam ter maior facilidade para perceber estados emocionais – próprios e alheios. Quando essa percepção é acompanhada de reflexão e autorregulação, nasce uma forma ampliada de inteligência emocional: reconhecer o que se sente, compreender o porquê e decidir o que fazer com isso.
A empatia, em perfis sensíveis, não é apenas “se colocar no lugar do outro”, mas sentir o impacto da dor alheia no próprio corpo. Para que essa empatia não se torne sofrimento crônico, é necessário transformá-la em ação responsável: escutar, acolher, apoiar – sem assumir como obrigação tudo aquilo que se percebe.
A capacidade de observar detalhes, integrar informações e perceber nuances facilita a leitura de contextos complexos. Em ambientes de trabalho, isso pode se traduzir em análise refinada de processos, identificação de riscos, antecipação de conflitos e propostas de melhoria.
Ao perceber com intensidade as consequências das ações sobre as pessoas, a sensibilidade tende a reforçar a responsabilidade ética. Em minha trajetória, isso se expressa no cuidado com o que é público, na preocupação com a transparência e na busca por coerência entre discurso e prática.
Essas competências socioemocionais não surgem prontas; são construídas ao longo do tempo, a partir da combinação entre sensibilidade, reflexão, apoio e experiência.
Minha trajetória profissional – especialmente na docência e na gestão pública – é atravessada pela sensibilidade. Ela influenciou não apenas as escolhas que fiz, mas também a forma como exerço cada função.
Em sala de aula, a sensibilidade se manifesta na escuta, na leitura das necessidades dos alunos e na tentativa constante de aproximar teoria e realidade. Perceber quando a turma está cansada, confusa ou mobilizada por determinado tema permite ajustar a condução da aula e transformar o espaço em ambiente de troca, e não apenas de transmissão de conteúdo.
No serviço público, a sensibilidade se traduz em compromisso com o que é coletivo. Trabalhar com contabilidade governamental e sistemas de custos não é apenas lidar com números, mas com decisões que impactam diretamente a vida de pessoas, políticas públicas e o uso de recursos escassos.
A atenção a detalhes, a preocupação com a transparência e a responsabilidade com a informação contábil são expressões da sensibilidade aplicada à gestão. Saber que cada registro representa uma realidade concreta ajuda a manter a ética como eixo central do trabalho.
A sensibilidade também trouxe desafios à vida profissional: dificuldade em lidar com ambientes muito competitivos ou agressivos, sofrimento diante de injustiças institucionais e tendência a extrapolar limites pessoais para atender demandas. Aprender a estabelecer fronteiras, a compartilhar responsabilidades e a buscar apoio foi – e continua sendo – um processo essencial.
Ao olhar para trás, percebo que minha sensibilidade não foi um obstáculo à carreira; foi, na verdade, uma lente que me permitiu enxergar o trabalho como serviço e a profissão como missão.
As obras a seguir representam uma amostra da literatura que dialoga com os temas abordados neste dossiê. Elas podem servir como ponto de partida para leituras mais aprofundadas sobre alta sensibilidade, desenvolvimento humano e sensibilidade ao contexto:
Jozenei Silva Pereira é professor, contador e servidor público. Nascido em 1973, construiu sua trajetória entre desafios familiares, trabalho precoce e compromisso com a educação. Graduado em Ciências Contábeis, atuou e atua em diferentes frentes ligadas à docência, à contabilidade governamental e à gestão pública, com forte foco em transparência, responsabilidade fiscal e formação de profissionais.
Ao longo dos anos, percebeu que sua forma intensa de perceber pessoas, ambientes e demandas estava diretamente relacionada à alta sensibilidade. Este dossiê é fruto da decisão de olhar para essa característica com rigor acadêmico e linguagem acessível, integrando memória pessoal, teoria psicológica e reflexão sobre o papel da sensibilidade na vida profissional e social.
Dossiê da Minha Sensibilidade é um relato autobiográfico com fundamento científico que integra história de vida, Psicologia da Sensibilidade e reflexão sobre o desenvolvimento humano em contextos complexos. Escrito em linguagem clara e didática, destina-se a pessoas que desejam compreender melhor sua própria forma de sentir, bem como a estudantes e profissionais interessados em aproximar teoria e experiência.
Escola de Contabilidade PJP • Alagoinhas – Bahia • 2025